.: Let yourself be the rythm

27 abril, 2006

06.01 | O Teatro como fundação para o pensamento e concepção da linguagem de mediação

Acção e Significação




A linguagem consiste num sistema constituído por elementos que podem ser gestos, sinais, sons, símbolos ou palavras. Este sistema é usada para representar conceitos de comunicação, ideias, significados e pensamentos. Existem inúmeros modos de comunicar, através da linguagem. Não comunicamos apenas através das palavras, mas também da imagem. Hoje em dia, não temos qualquer tipo de problema em usar os mais diferentes suportes para expressar uma ideia: fotografia, vídeo, música, texto, ... Cada vez mais a linguagem que usamos para interagir uns com os outros é mais abrangente, mais diversificada, mais envolvente.

O processo de comunicação depende de três factores fundamentais: envolvência, percepção e expectativa. Ou seja, para existir um acto de comunicação é necessário que o receptor percepcione uma determinada mensagem. Além disso, se envolvermos o receptor mais facilmente o conseguiremos persuadir – não nos podemos esquecer que todo o acto comunicacional tem inerente a si uma necessidade de persuadir o nosso interlocutor. Sabemos, também, que quando vamos de encontro às expectativas do utilizador, mais facilmente essa persuasão irá acontecer, o que não acontece quando chocamos no sistema de expectativas do nosso receptor.

Através da evolução na Arte, facilmente verificamos que existiu, também, uma evolução na forma como a linguagem é encarada e, principalmente, a forma como o público é tido em conta. A partir da década de sessenta/setenta, a autonomia da arte face à realidade, através de movimentos artísticos como o minimalismo ou o abstraccionismo, dá lugar à arte conceptual, onde existe uma representação da realidade. Entramos, então, no pós-modernismo, e, com este, os meios tecnológicos adquirem uma nova versatilidade, integrando vários tipos de media em instalações multimédia. Essas surgem do desafio de, num mesmo espaço, integrar múltiplas ideias e objectos com interacção com o público.






Deste modo, o “espaço” geométrico de Euclides dá origem ao “lugar”, de Marc Auge, um espaço de identidade, afectividade e simbolismo. Ou seja, o espaço cénico é o espaço afectivo da acção.




Um dos grandes impulsionadores desta mudança no Teatro acabou por ser o russo Stanislavski, que pode ser considerado um dos maiores encenadores do teatro mundial, mas também se destacou como actor. Ele já experimentava coisas que o teatro revolucionário mais tarde colocaria em prática nos palcos. Empregou um naturalismo que se materializava dramaticamente em questões morais, feições quotidianas, nas abordagens psicológicas e na busca de uma expressividade realista, tudo isso de forma bem simples.
Eram de profundo interesse para Stanislavski, o estilo impressionista (com os seus recursos de ilusão que criavam uma atmosfera perfeita), o realismo/naturalismo, assim como o simbolismo. Ele sentia-se seduzido pela prosa naturalista, por esta ser um retrato verdadeiro da natureza do homem, das condições do meio e dos determinismos impostos à nossa espécie. Os requintes de sensibilidade e a metafísica simbolistas também foram características incorporadas por Stanislavski em sua arte.
O que mais se destaca deste encenador é a sua intenção de criar um método para o actor. O método de interpretação de Stanislavski propõe o estudo da emoção. Tinha como essência a idéia de acabar com o artificialismo da época, a busca da verdade apoiada nos elementos cénicos. Tudo isso voltado para o actor, para a personalidade do intérprete. O empenho em conseguir autenticidade na interpretação levou Stanislavski a explorar no actor as suas emoções e experiências mais íntimas.
O actor, agora, só poderia tornar-se outra pessoa se usasse de suas próprias emoções, fazendo da vida da personagem a sua própria vida. Exigia-se dos actores a difícil tarefa de imprimir a verdade singular contra a verdade geral, numa luta contra os estereótipos. Como também era actor, Stanislavski punha em prática alguns de seus preceitos. Noções como auto-controlo, jogo de olhares, expressão corporal e revelação de sentimentos fortes marcavam sua interpretação.
As peças encenadas eram, na concepção desse encenador, as detentoras da essência textual, mas só tomavam corpo se fosse um todo integrador do verbal e do dramático. O público também tem papel importante no espectáculo, na medida que participava da harmonia teatral através de sua passividade.
Tal como nos diz Bruno Giesteira e João Moura, “a redimensão do lugar cénico enquanto relfexão e criação da arte digital, reestrutura e maleabiliza a arquitectura do espaço cénico, por intermédio da realidade virtual e de ambientes imersivos, conseguindo imergir o público na cena”. Através da tecnologia, o público deixa de ser apenas uma elemento passivo, podendo “se tornar actor não degenerativo em mundos representacionais na construção da identidade, memória e afectos no espaço artístico, validando a construção de linguagens de mediação mais familiares, compreensivas e evocativas, no sentido de redimensionar as experiências sensoriais e emotivas do ser humano”.




A tecnologia permite imergir o público, fazer com que ele se sinta parte e participe activamente na acção, trazendo – também – uma nova linguagem, que leva o público a envolver-se afectiva e simbolicamente com o ambiente cénico. Como nos dizem os autores supra-citados “o cinema, a televisão, a manipulação fotográfica, a música e o vídeo, apropriando-se e alterando o significado de imagens e símbolos, impulsionaram, a partir da década de sessenta, a criação de mundos virtuais de iconografia e som, com infinitas possibilidades criativas.” Além disso, sublinham o papel do computador da exploração do sentido do “tempo presente” pelo público, bem como o sentido de novidade, intimidade e envolvimento.




A realidade virtual traz, também a multisensorialidade, transportando o público uma representação virtual e “redimensionado a consciência e percepção do participante”. Ou seja, toda a forma de interacção com o ambiente acaba, também, por ser diferente.

Mas o que siginifica o termo “interacção”? Há três níveis de interacção:

| não-interactivo – a mensagem não está relacionada com as anteriores
| reactivo – a mensagem está relacionada directamente com as anteriores
| interactivo – quando existe uma relação entre mensagens

Actualmente, existe um vasto número de experiências no campo do design de interacção, como aquelas desenvolvidas por Christopher Schmandt e Eric Hulteen – “Put That There”. Nesta experiência, utilizam-se interfaces multisensoriais que utilizam linguagens naturais de mediação, promovendo um contacto imersivo com a informação. Deste modo, a interacção torna-se menos sistematizada, promovendo a proximidade sensorial e emotiva entre o agente humano e as acções desempenhadas.

Brenda Laurel veio trazer uma nova visão teatral da actividade Homem/Computador, colocando o participante no mesmo contexto que os restantes agentes virtuais. Assim, “o teatro surge como metáfora dramática para criar um sistema de mediação, [...] onde a acção é confinada ao mundo de representação, situando todos os agentes [...] no mesmo contexto, tendo acesso aos mesmos objectos e falando a mesma língua.
Nesta fase, torna-se importante recuperar o trabalho de Stanilavski e Meyerhold, que se debruçaram sobre a densidade emotiva, sensorial, biomecânica e rítmica na representação de acções. Estes elementos, quando adaptados ao universo computacional, são úteis na transmissão de maior realismo à linguagem de mediação, aproximando os participantes emocionalmente com à acção, optimizando o diálogo entre o ser humano e o sistema (emotiva e sensorialmente).
Como realçam os autores, “não se pretende [...] colocar em causa princípios de design de interacção ou de usabilidade, mas sim introduzir novos elementos linguísticos que tradicionalmente de relacionam com a arte de representar acções no palco – teatro”.

Ter um objectivo é de extrema importância para o ser humano. Deste modo, importar para o universo computacional a técnica de Stanilavski do factor “se” é muito importante na estimulação da criatividade e na própria imaginação. É importante fazer o utilizador se defrontar com perguntas e suposições, sendo que tudo isto o faz sentir obrigado a responder.




Linguagem
Tem em consideração as modalidades sensoriais disponíveis na audiência como forma de explicitar a comunicação entre o indivíduo e o computador.

Padrão
Materialização da linguagem, através de sons, imagens ou movimento.

Espectáculo
Resulta da inter-relação entre os diferentes elementos e relaciona-se com tudo o que é percepcionado.

Ou seja, a interacção pode ir buscar ao Teatro todo um novo modo de ver a relação do utilizador com o sistema, adoptando novas linguagens de mediação entre eles. Linguagens mais próximas ao ser humano, que sejam mais facilmente absorvidas pelo nosso sistema sensorial e com que o envolvimento afectivo seja, também, mais fácil.


(espero lançar em breve uma versão 2, caso seja possível)

20 abril, 2006

05 | Emotional Design


capa do livro "Emotional Design"


Na obra “Emotional Design” (versão online - em italiano), Donald Norman defende que os objectos não valem apenas pela sua função, mas também pelo seu lado estético e pelo que representam para as pessoas que o utilizam – o lado afectivo que eles provocam. Assim, este autor afirma que existe uma componente emocional ligada aos objectos.
Além disso, Donald Norman defende que existem três níveis no cérebro, que exigem diferentes características a nível de design:

| visceral – prende-se com a aparência
| comportamental – refere-se ao prazer e eficiência no uso
| reflexo – está ligado à racionalização e intelectualização do produto

O objecto tem, também, uma componente pessoal, ligada à vida de cada um. Os nossos objectos preferidos não têm de ser objectos caros, já que na maior parte dos casos, os objectos mais queridos das pessoas são pequenas coisas – fotografias, bilhetes, livros, ... Esses objectos são um símbolo do nosso estado de espírito, são recordações de bons momentos e têm associados a si uma história.

Segundo Norman, é impossível que um objecto não disponha das três componentes do design. Além disso, existe uma ligação entre emoção e razão – estas são indissociáveis. Por isso, temos que ter em consideração que também no uso dos objectos a emoção tem um papel importante.
Um exemplo deste facto é o Mini Cooper – toda a gente sorri quando vê um, as suas formas são divertidas... este aspecto acaba por desvalorizar todos os aspectos negativos do carro, as suas falhas.
Um objecto pode ser extremamente difícil de usar, não respeitar qualquer regre de usuabilidade e, no entanto, fazer sorrir quem o usa. Por outro lado, muitas vezes odiamos os objectos com que interagimos, alguns deles altamente práticos: computadores, despertadores. Assim, concluímos que nem um objecto com um boa usabilidade é agradável de se utilizar



Mini Cooper - Versão Limusine


Não podemos deixar de ter em conta os aspectos emotivos dos objectos. A emoção é a responsável pela tomada de decisões, na percepção do mundo que nos rodeia: perigo, conforto, bom, mau, ...
O estudo do Professor António Damásio provou que as pessoas com lesões cerebrais na parte correspondente à emoção eram incapazes de escolher entre alternativas semelhantes, em que não existe qualquer motivo racional a ter em conta.

Além disso, existem reacções fisiológicas às emoções: o nó na garganta, o frio no estômago, os arrepios, água na boca, ... As emoções preparam o nosso corpo para uma resposta.
O sistema de afecto faz julgamentos e rapidamente ajuda-nos a determinar quais as coisas perigosas ou seguras à nossa volta. O sistema cognitivo interpreta e dá sentido ao mundo.
A emoção é a experiência consciente do afecto – medo, por exemplo.

A estética agradável de um produto ajuda-nos a melhorar trabalhar com ele. Quando um carro está limpo, parece mais fácil de conduzir. Quando estamos lavados e bem vestidos, sentimo-nos melhor.

Uma experiência realizada por Masaaki Kurosu e Kaori Kashimura (Japão) provou que a utilização de caixas Multibanco com botões e ecrãs mais atraentes ajudaram os utilizadores nas operações, aumentando a eficácia.
Noam Tractinsky (Israel) suspeitou disto, por considerar que os japoneses se preocupam muito mais com questões estéticas do que os israelitas e repetiu a experiência. Os resultados foram ainda mais consistentes do que no Japão.
Assim, podemos concluir que, efectivamente, a estética de um produto tem consequências na sua utilização.

Alice Isen chegou à conclusão que as pessoas resolvem os problemas mais facilmente quando estão felizes. Quando as pessoas estão nervosas ou ansiosas, sentem mais dificuldade em se concentrar no problema. Quando as pessoas estão felizes, o seu raciocínio aumenta e tornam-se mais criativas e imaginativas.
Ou seja, as pessoas felizes têm uma maior facilidade em encontrar soluções alternativas no uso de um produto, enquanto as pessoas tensas se focam na resolução do problema, ficando cada vez mais tensas à medida que falham. As pessoas que se sentem felizes são, também, mais tolerantes aos erros.





Voltemos, agora, aos três níveis do cérebro:

- visceral – automático
- comportamental – controlo do comportamento
- reflectivo – contemplativo

Cada um destes níveis requer diferentes tipos de design:

- andar numa montanha-russa
- cortar carne com uma faca afiada e uma tábua sólida
- contemplar uma boa obra de arte

As montanhas-russas são extremamente populares já que o ser humano adora o perigo, o medo. Assim, são duas as coisas que levam as pessoas a entrarem num vagão de uma montanha-russa: o medo em si, a sensação de adrenalina e a recompensa de “sobreviver” à viagem e vangloriarem-se desse feito.




a adrenalina de uma montanha-russa


Os três níveis interagem entre si, modificando-se uns aos outros. Tudo aquilo que fazemos tem uma componente emocional e racional. E, mais importante ainda, a componente emocional modifica a forma como pensamos.

Tudo aquilo que é suposto ser usado sobre condições de stress, deve ter especiais cuidados ao nível do design. A informação de como se usa o produto deve estar sempre presente, não havendo lugar para ambiguidade.

Até no método de trabalho podemos verificar a dualidade de estados de espírito e como esse facto altera o processo e ritmo de trabalho. No início de um trabalho criativo, é altamente recomendável não existir pressões relacionadas com o tempo, sendo igualmente fundamental manter um bom humor. Deste modo, facilita-se o processo criativo. Contudo, numa segunda fase, torna-se imperativo traçar prazos, para aumentar a eficácia do trabalho – na medida em que nos passamos a focar na tarefa em si e em fazer o trabalho de forma mais eficaz.

Por vezes, é necessário desenhar algo capaz de provocar sensações que estimulem a criatividade e, em certos momentos, capazes de fazer com que a atenção do utilizador se foque na execução de determinadas tarefas. É o exemplo de uma central nuclear, em que o ambiente pode ser alterado, nomeadamente através de avisos sonoros e visuais para o perigo de determinado acontecimento.

Há ainda outros objectos que realçam a componente emocional: as recordações de monumentos, tal como as réplicas. Estes são valores de baixo valor – quer monetário quer artístico -, mas para quem os detém são muito valiosos, na medida que são símbolos do objecto real e por invocaram recordações. Deste modo, podemos afirmar que os objectos têm um valor sentimental, não valendo por si só.
Outro exemplo disto são as fotografias, objectos cujo valor é quase unicamente emocional.

Também com as marcas acontece algo semelhante. Por vezes, um produto ajuda a mostrar quem somos, a forma como nos vemos. Reflectem a imagem que temos de nós próprios e transmitem isso aos outros.



Ferrari: um símbolo de ostentação


Como conclusão, torna-se cada vez mais importante no design atender às questões emocionais, já que estas são, na grande maioria dos casos, mais importantes que as questões de usabilidade.